O Brasil transformou profundamente sua agricultura nas últimas décadas, passando de importador de alimentos e tecnologias a uma das maiores potências agrícolas do mundo. Esse avanço foi impulsionado por investimentos em ciência, pela inovação e pela busca por uma agricultura mais sustentável. Nesse contexto, os bioinsumos, produtos feitos a partir de microrganismos, extratos vegetais e outras substâncias naturais, têm ganhado destaque como alternativas que reduzem o uso de fertilizantes e defensivos químicos e aumentam a produtividade das lavouras.
O país é referência tanto na produção quanto no uso desses insumos biológicos, sendo amplamente utilizados em muitas culturas, como: soja, milho, cana-de-açúcar, algodão, café, frutas e hortaliças. A trajetória do sucesso brasileiro no uso de bioinsumos inicia-se aproximadamente na década de 1970, com pesquisas sobre microrganismos benéficos conduzidas pela Embrapa e outras instituições. Com essas pesquisas, muitos microrganismos e seus produtos foram caracterizados, como espécies do gênero Rhizobium, Azospirillum, Bacillus e Trichoderma, capazes de aumentar a eficiência de uso de nutrientes, estimular a produção de fitormônios, induzir resistência sistêmica contra fitopatógenos, entre outros. Desde então, muitos produtos biológicos foram desenvolvidos, com destaque para inoculantes à base de bactérias que fixam nitrogênio e solubilizam biologicamente fosfato, além de biofungicidas e bioinseticidas para o controle de pragas e doenças.
Os benefícios e ganhos promovidos pelo uso dos bioinsumos atendem a muitos desafios agrícolas brasileiros, como a forte dependência de fertilizantes e defensivos importados, o alto custo de produção, o uso intensivo de agroquímicos e os impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas. Com um marco legal específico, publicação da Lei dos Bioinsumos, em 2024, e políticas de incentivo, o Brasil se consolida como referência internacional nessa temática, unindo inovação, produtividade e sustentabilidade que visam uma agricultura sustentável, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
A publicação ressalta o incentivo à pesquisa e à inovação em um novo cenário para os bioinsumos no Brasil, destacando o papel de protagonismo da Embrapa e de seus parceiros no desenvolvimento de tecnologias pioneiras, como o primeiro inoculante brasileiro para solubilização biológica de fósforo e novos biofungicidas para controle de doenças do solo. Além disso, aborda aspectos conceituais, registros, desenvolvimento e tendências de mercado de bioinsumos no país, assim como desafios do setor, incluindo a produção on farm de produtos biológicos.
Christiane Abreu de Oliveira-Paiva é engenheira agrônoma e pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo, especializada em microbiologia agrícola e do solo. Doutora em Interação Planta-Microrganismos e mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é curadora da Coleção de Microrganismos Multifuncionais da Embrapa desde 2010. Sua pesquisa foca no desenvolvimento de bioinsumos microbianos, incluindo o BiomaPhos. Esse foi o primeiro produto registrado no Brasil capaz de aumentar a absorção de fósforo pelas plantas, além do controle biológico de doenças e da interação planta-solo-microrganismos. Reconhecida por suas contribuições à ciência, foi homenageada na Agrishow 2023 e recebeu o BRICS Solutions Award em 2025.
Daniel Bini
Daniel Bini é biólogo especializado em microbiologia agrícola e ambiental. Possui doutorado em Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e mestrado em Microbiologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmente, é pesquisador em pós-doutorado na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, onde participa de pesquisas voltadas ao desenvolvimento de inoculantes microbianos, com ênfase em bactérias solubilizadoras de fosfato, e estratégias sustentáveis para o manejo do solo.
Neste webinar representantes da Agência Federal Alemã de Agricultura e Alimentação (BLE, sigla em alemão), do Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) e um especialista brasileiro do setor privado apresentam sistemas de rastreabilidade de produtos agrícolas no Brasil e na Alemanha. Na sequência são debatidos o papel da rastreabilidade para a segurança alimentar, a transparência na produção agrícola e o cumprimento das regras ambientais em ambos os países.
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Benefícios da cadeia de valor do café no Brasil e na Alemanha
Por Luiza Mantiça Kreimeier e Alexander Borges Rose
Cafeicultor na lavoura. Fonte: Freepik
Com origens na Etiópia, o café chegou ao Brasil em 1727, no estado do Pará. Foram trazidas sementes e mudas de café da espécie Coffea arabica da Guiana Francesa pelo sargento-mor Francisco de Mello Palheta; ele era enviado de uma missão diplomática. A partir daí, o cultivo se expandiu rapidamente pelo território brasileiro. Durante o Período Imperial (1822 a 1889), quando o Brasil era governado por uma monarquia constitucional, o café viveu seu primeiro grande ciclo. O Rio de Janeiro foi o polo central de produção, tornou-se motor de crescimento econômico por meio de grandes plantações de monocultura, conhecidas como “plantations”. Nessas plantações, a mão de obra predominante era escrava, e o desenvolvimento econômico do país se deu muitas vezes à custa de enormes desigualdades sociais¹.
O cenário mudou com a abolição da escravatura (1888), e a partir de 1890, fase marcada pela chegada massiva de imigrantes europeus, que compuseram mais de três quartos da imigração brasileira. Houve também o avanço tecnológico nas etapas de secagem e descascamento, o que impulsionou a nascente indústria cafeeira². A dinâmica social se via no início de uma certa organização comunitária: vizinhos e pequenos produtores frequentemente se ajudavam mutuamente, compartilhando técnicas, insumos e mão de obra, de modo a estabelecer práticas colaborativas que caracterizam parte da agricultura familiar brasileira.
Ao longo do século XX, o café atravessou deslocamentos e desafios: o estado do Paraná tornou-se protagonista, respondia por mais de 52% da produção nacional e 28% da produção mundial, até ser devastado por geadas, o que abriu espaço para Minas Gerais consolidar-se como principal produtor de arábica³. No Espírito Santo, após crises e programas de erradicação, os produtores reinventaram-se com o cultivo do conilon, uma variedade da espécie Coffeacanephora resiliente e adaptada ao clima local, hoje essencial para a identidade cafeeira do estado.
Atualmente, cultivam-se principalmente duas espécies de café no Brasil: Arábica (Coffea arabica) e Canéfora (Coffea canephora), conhecida como Conilon ou Robusta. O Arábica é considerado um café, com sabores mais suaves, aromáticos e complexos, sendo cultivado em regiões de altitude mais elevada e clima ameno, como em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Bahia (Chapada Diamantina), estados do Nordeste e até no Mato Grosso. Já o Canéfora apresenta maior teor de cafeína, corpo intenso e sabor mais marcante, adaptando-se melhor a climas quentes e altitudes mais baixas, predominando no Espírito Santo, Rondônia, Bahia e no Amazonas. O Canéfora é destinado comercialmente para compor os blends de café no mundo, como também é muito utilizado na indústria de bebidas, de medicamentos e de cosméticos.
Atualmente, Minas Gerais (51,2%), Espírito Santo (24,7%), São Paulo (9,6%), Bahia (7,5%) e Rondônia (3,6%) concentram cerca de 97% da produção nacional de café, com uma receita bruta estimada em R$ 115,27 bilhões4,mostrando a força histórica e econômica dessa cultura. Ao longo de três séculos de cultivo cafeeiro no Brasil, o café não apenas estruturou uma cadeia produtiva, mas também povoou cidades, moldou comunidades, hábitos e estruturas sociais, dando origem a práticas de cooperação que são a marca registrada do Brasil. O cooperativismo faz parte dessa história que consolida o país como referência mundial em produção sustentável e diversidade de perfis sensoriais, construindo uma verdadeira “cultura do café”, que une tradição, inovação e compromisso com a sustentabilidade.
Cafés do Brasil
O Brasil consolidou sua posição como o maior produtor e exportador mundial de café, garantindo o abastecimento do mercado interno e externo. A evolução da produtividade no setor cafeeiro é reflexo do investimento contínuo em pesquisa, tecnologia e conhecimento. Investimentos por meio do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé)5 – criado em 1987 para financiar, modernizar e dar segurança econômica à cafeicultura brasileira – impulsionaram a inovação na cafeicultura, o desenvolvimento de variedades mais resistentes às mudanças climáticas, a adoção de tecnologias modernas, o aumento da densidade de plantio e a implementação de novas práticas sustentáveis. Como consequência, mesmo com a redução da área cultivada, que passou em 35 anos de 3 milhões de hectares em 1989 para 2,25 milhões de hectares em 2024, dos quais 1,92 milhão de hectares em produção e 336,34 mil hectares em formação, a produção se manteve equilibrada para atender à crescente demanda global6. Atualmente, o Brasil é responsável por cerca de 40% da produção mundial.7
Segundo o Conselho Nacional do Café (CNC) e a Companhia de Abastecimento Nacional (Conab), a produção total em 2024 foi de aproximadamente 54 milhões de sacas de 60 kg. No mesmo período, o país exportou 50.582.410 sacas de café8, o que reafirma sua posição como principal fornecedor mundial. Adicionalmente, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café
(ABIC), o consumo interno de café no Brasil em 2024 foi de cerca de 21,916
milhões de sacas de 60 kg, com média per capita de 6,26 kg, o que
evidencia a relevância estratégica da cafeicultura tanto para a demanda
doméstica quanto para o abastecimento externo.
Produção de café (sacas de 60 kg) no Brasil ao longo dos últimos 25 anos. Fonte: Conab, 2025.
Para compreender esses números, é importante considerar também os estoques
de passagem, que são as sacas de café que sobraram das safras anteriores e
seguem disponíveis para os próximos anos. Esses estoques ajudam a equilibrar
o mercado, principalmente quando há variações na produção ou na demanda.
Assim, ao analisar oferta, consumo e exportações, é essencial considerar os
estoques de passagem, pois são eles que determinam, de fato, quanto café o país
tem disponível ao longo do ano.
A atividade está presente em 1.983 municípios, distribuídos em 17 estados brasileiros mais o Distrito Federal, contribuindo de forma significativa para a geração de emprego, renda e desenvolvimento territorial. Aproximadamente 330 mil produtores e suas famílias cultivam café; destes, 78% são produtores familiares*9. A presença da cafeicultura está diretamente associada a municípios com elevados Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), reflexo do dinamismo econômico e social gerado por essa cadeia produtiva, que fortalece a permanência das famílias no campo, estimula a sucessão rural e impulsiona o desenvolvimento local com inclusão e qualidade de vida.
Quantificar os empregos gerados pela cafeicultura no Brasil é um desafio, dado o alcance da cadeia de valor, que inicia antes mesmo da propriedade, até na ponta, sendo o café e seus derivados disponibilizados ao consumidor. O CNC, em contato próximo com todas as cooperativas e associações de café do país, 97 delas, vinculadas à Organização Nacional das Cooperativas Brasileiras (OCB), estima que existam cerca de 41.258 empresas registradas no ramo do café do Brasil e em operação10.
Nesse universo produtivo, incluem-se desde pequenas torrefações artesanais até
grandes indústrias que agregam valor ao café brasileiro por meio de produtos
diferenciados e de alta qualidade. No total, são aproximadamente 1.535
indústrias de torrefação e cerca de 1.050 unidades de beneficiamento
distribuídas pelo território nacional, compondo uma estrutura industrial
relevante e diversificada.
Considerando empregos diretos e indiretos, segundo o CNC, a cadeia envolve aproximadamente 8,4 milhões de pessoas, incluindo desde fornecedores de insumos, técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos e especialistas em diversas áreas desde sustentabilidade, economia, tecnologia da informação e sistemas, até produtores e suas famílias, trabalhadores sazonais e permanentes, trabalhadores das cooperativas e associações, advogados, auditores e certificadores de qualidade, profissionais da indústria de equipamentos e maquinário, professores e pesquisadores científicos e de instituições de extensão rural, profissionais de processamento e logística, comércio exterior, marketing, branding e varejo, baristas, consultores e de atendimento ao consumidor final, sem contar as novas ocupações atuais, como os influenciadores digitais e tantas outras que surgem de acordo com a oportunidade e a necessidade, compondo um sistema complexo que vai do campo até a xícara. Assim, o Brasil se conecta ao mercado global, mostrando que o café nacional não é apenas um produto produzido em escala, mas uma força social e econômica que transforma realidades e promove desenvolvimento sustentável em múltiplas frentes.
Força social: O protagonismo feminino e dos jovens no café
As cafeicultoras brasileiras são atores em todas as etapas, da produção à comercialização. Elas estão presentes no campo, na governança das fazendas e no acompanhamento da produção; na comercialização; em instituições de pesquisa; nas tomadas de decisão; na representação de entidades; e nas lideranças de organizações do setor. Segundo o último censo do IBGE, mais de 40 mil estabelecimentos agrícolas no Brasil são dirigidos por mulheres, o que corresponde a 13,2% dos empreendimentos de café11. Essa abordagem vai além; muitos jovens que saíram da propriedade para estudar estão retornando e garantindo a produção. A nova geração de cafeicultores, sucessores e jovens tem implementado a inovação, a tecnologia e uma nova mentalidade para o campo. Eles estão conectados às tendências globais, preocupados em colocar a sustentabilidade em prática, a rastreabilidade que os aproxima dos consumidores, modificando a percepção do café brasileiro para um produto de qualidade elevada e tornando conhecidas as mais diversas variedades e suas regiões de origem, bem como valorizando as indicações geográficas e denominações de origem. Assim, a cafeicultura se mantém como uma cultura de oportunidades e geração de renda em todas as fases da cadeia.
De olho no futuro
O Brasil, por muito tempo, foi e ainda é conhecido pela produção em grande escala, mas nos últimos 10 anos e agora busca reconhecimento por qualidade, sustentabilidade e inovação. Os produtores estão cada vez mais informados da importância de práticas que respeitem o meio ambiente, conservem os recursos naturais e garantam o futuro das próximas gerações. Um exemplo de integração entre sustentabilidade e produção é o Programa Nacional Café Produtor de Água que remunera o produtor pela conservação dos recursos naturais.
Com um mercado consumidor cada vez mais exigente e atento às práticas de sustentabilidade, o Brasil possui uma legislação rigorosa, tanto no campo ambiental quanto trabalhista. O Código Florestal Brasileiro, por exemplo, estabelece regras únicas que obrigam os produtores rurais a manterem áreas de preservação permanente, proteger nascentes e conservar parte significativa de suas propriedades. Essa lei, aliada à fiscalização e ao monitoramento por imagens de satélite, confere ao Brasil uma posição diferenciada no cenário internacional, reforçando sua capacidade de atender exigências internacionais como o Regulamento Europeu contra o Desmatamento (EUDR sigla em inglês) e a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CS3D, sigla em inglês), e consolidando-se como fornecedor confiável de café sustentável. Além da rigorosa legislação ambiental, o Brasil também se destaca por sua legislação trabalhista, que garante direitos fundamentais aos trabalhadores rurais e urbanos.
A força econômica do café – Caso alemão
Em 2024, o Brasil atingiu um recorde ao exportar 50,4 milhões de sacas de 60 kg de café para um total de 116 países. Os 5 maiores mercados foram os Estados Unidos, a Alemanha, a Bélgica, a Itália e o Japão. A União Europeia como bloco recebeu 52,6% do total.12 O café se posiciona como produto estratégico na balança comercial e na relação Brasil-União Europeia. A Alemanha ultrapassou os Estados Unidos e tornou-se o maior comprador de café brasileiro em agosto de 2025, após a imposição do “tarifaço” americano ao Brasil, que resultou em uma queda acentuada das exportações para os EUA.
Destaca-se aqui o caso da Alemanha no potencial de geração de valor e empregos na cadeia global do café. A Alemanha importou em 2024 café verde do Brasil no valor de 2,4 bi de euros, representando 520.000 t¹³ (cerca de 8,66 m de sacas). As icônicas cidades portuárias da Alemanha, Hamburgo e Bremen, são sede de grandes empresas de torrefação e beneficiamento de café, como Tchibo, JJ Darboren, Jacobs Douwe Egberts (JDE). No país, as marcas próprias dominam o mercado no setor de varejo. Tchibo (25%) e Jacobs Douwe Egberts (20%)14 são as duas marcas líderes, principalmente na faixa premium e média. De acordo com a Associação Alemã do Café, as maiores torrefadoras de café da Alemanha incluem Aldi, Dallmayr, JJ Darboven, Jacobs Douwe Egberts (JDE), Lidl, Melitta, Lavazza e Tchibo. Há também cerca de 900 empresas menores de torrefação e venda. O conglomerado Neumann Kaffee Gruppe (NKG) de Hamburgo conta com mais de 40 empresas em 28 países e mais de 3.300 funcionários altamente qualificados, que atuam nos setores de Exportação e Moagem, Importação, Agricultura, Agentes e Escritórios de Representação e Serviços. A empresa Probat é líder na produção de máquinas de torrefação de café e alimentos desde 1868.
As estratégias de marketing e comercialização variam entre os principais players. A Tchibo, fundada como torrefação de café em 1949 em Hamburgo, possui hoje 550 lojas de vendas na Alemanha, geralmente nos centros de cidades onde circulam pedestres. Além de café de diversos países, biscoitos, bolos, onde os alemães se aquecem no inverno frio no balcão de café, as lojas trazem toda semana novidades de produtos promocionais de eletrônicos, roupas e utensílios domésticos, além de café para levar. A empresa conta com 10.708 funcionários e teve uma receita na faixa de 3,2 bi euros em 2024. A Tchibo atua com esse modelo também na Áustria, República Tcheca, e Hungria.
O café é uma bebida muito apreciada na Alemanha. Foto: Freepik
Os gigantes varejistas Aldi, 8-10% participação do mercado, e Lidl, 10-12% participação de mercado do café15, são muito fortes com marcas próprias no segmento custo-benefício. Ambos fazem questão de terem sua própria torrefação local, o que os diferencia dos supermercados brasileiros. Somente Aldi Nord conta com 2200 supermercados na Alemanha, onde pode inclusive oferecer seu café a um preço competitivo e compensar o preço na venda de outros produtos. A empresa de torrefação Dallmayer, 10% de participação de mercado, de Munique, fundada em 1700, beneficia 80.000 toneladas de café ao ano. A Dallmeyer se especializou em fornecer café para lojas de delicatessen, hotéis, restaurantes, bares, lojas e principalmente para máquinas de café. Hoje a empresa gerencia mais de 100.000 máquinas de café na Europa e conta com 4800 funcionários. A Melitta, 8% de participação de mercado, inventora do filtro de café, fundada em 1908, vende café de várias marcas próprias, filtros e produtos domésticos no valor anual de 2,15 bi de euros. Merecem destaque as grandes redes de cafeterias como McCafé (840 lojas), Starbucks (158 lojas), Segafredo (90 lojas e 133 em postos de combustível) e Dunkin’ Donuts (>80 lojas), assim como inúmeras cafeterias, cafés, bistrôs, padarias, lojas de conveniência, máquinas automatizadas de café que atendem o consumidor.
Com consumo per capita de 163 litros (5,4 kg)16, a Alemanha não figura entre os 10 maiores consumidores mundiais, liderados pelos países escandinavos. Contudo, na soma, a Alemanha é o maior consumidor de café na Europa. As preferências de como degustar a bebida variam entre café filtrado, cápsulas, latte, cappuccino, café com leite, expresso, duplo, Eiskaffe entre outras. Geralmente o consumo se dá em grande parte em blends de cafés de vários países.
Ao longo dos últimos anos, houve uma tendência por demandas de café certificado (Orgânico EU, Rainforest Alliance, Fairtrade), misturas de porções individuais de café instantâneo, algumas pré-dosadas com açúcar e leite em pó, café instantâneo, grãos inteiros. Nos anos 2000, desenvolveu-se o movimento “ThirdWaveCoffee”, que se refere à cultura do café que entende o café não apenas como um bem de consumo, mas como um produto artesanal com valorização de origem, caráter e qualidade.
A Alemanha é um dos poucos países que aplica um imposto específico sobre o café. O imposto sobre o café consiste em 2,19 euros por kg para o café torrado e 4,78 euros por kg para o café solúvel. O tributo deve ser pago por todas as empresas que produzem café ou produtos que contenham café ou que os importam de países terceiros para a Alemanha e os vendem dentro do território tributário. Isso inclui torrefadoras de café, importadores, atacadistas e varejistas. Com o imposto café, o estado alemão arrecada cerca de 1 bi de euros por ano (2024) segundo a Icinotícias. Além do imposto sobre o café, o ICMS de 7% deve ser pago sobre o café em grãos e o café em pó.
Expertise em beneficiamento
A primeira torrefação de café documentada na Alemanha foi fundada em 1820 por Xavier Plum, em Aachen. A posição de vanguarda da Alemanha no processamento de café baseia-se em uma combinação de desenvolvimento industrial histórico, infraestrutura, alta tecnologia, cultura de consumo e rede internacional devido à sua localização geográfica estratégica. Esses fatores tornam o país um dos principais atores na cadeia de valor global do café.
A expertise alemã em beneficiamento e torrefação posiciona o país como exportador relevante de café solúvel, descafeinado e torrado. O total de exportação em 2023 chegou a um impressionante 2,97 Bi USD, para os destinos Polônia, Suíça, Itália, França, Rússia, Países Baixos, Chechênia, Áustria, Suécia, Bulgária, Dinamarca, Grécia, Croácia, Coreia, Emirados e outros. O valor total de importação de café foi de USD 4,06 bi em 2023.
Balança Comercial Café na Alemanha
Fonte: OEC
A estimativa do valor econômico e dos empregos gerados pela cadeia do café na Alemanha é complexa. A empresa Statistika divulgou que as compras de café para consumo em casa totalizarão cerca de 6,41 bilhões de euros em 2025. O faturamento de consumo de café fora de casa é estimado em 14,41 bilhões de euros em 2025, enquanto o faturamento combinado será de 20,82 bilhões de euros em 2025. No entanto, esses valores não consideram os milhares de empregos que a indústria e o serviço geram em torno da venda de café em lojas, na área de comércio exterior, no beneficiamento, na publicidade, na pesquisa, nas iniciativas de sustentabilidade, no transporte, nos eventos e conferências, na produção de máquinas de café e em acessórios, em subprodutos, em gestão de projetos, no design e produção de embalagens e marcas, em vendas acopladas, e gorjetas em cafeterias.
O café, além de seu valor econômico, fortalece vínculos sociais e culturais entre as nações. A “third wave coffee culture” tornou-se parte elementar da vida moderna, seja no Starbucks, na loja Tchibo ou em outra cafeteria charmosa. O café excede o escopo da economia, pois ele proporciona o encontro de pessoas, o aconchego, um momento de conforto, o diálogo e esses elementos não têm preço. Por meio de projetos de desenvolvimento sustentável, engajamento, valorização de origem e de selos de certificação, o comprador consegue gerar um impacto positivo pelo seu comportamento de consumo. Vamos tomar um café?
Alexander Borges Rose é Diretor do Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha (APD) e atua em Brasília na Cooperação Internacional pelo Desenvolvimento Sustentável.
Luiza Mantiça Kreimeier é Assessora Técnica do Conselho Nacional de Café (CNC) em Brasília.
Referências e fontes consultadas:
¹ ECCARDI, Fulvio; SANDALJ, Vicenzo. O café: ambiente e diversidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. 256 p.
² Consórcio Pesquisa Café.
³ Decreto nº 94.874/1987.
⁴ Companhia Nacional de Abastecimento – Conab.
⁵ Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América – USDA.
⁶ Conselho dos Exportadores de Café – Cecafé.
⁷ Conselho Nacional do Café – CNC.
⁸ Econodata.
⁹ ARZABE, Cristina et al. Mulheres dos cafés do Brasil. Brasília: Embrapa Café, 2018. 315 p.
¹⁰ Comex do Brasil.
¹¹ Ministério de Alimentação e Agricultura da Alemanha (BMEL), 2025.
À medida que a COP30 em Belém se aproxima, surgem diversos desafios. Entre eles o enfraquecimento do multilateralismo, o recuo dos Estados Unidos na liderança climática e o comprometimento decrescente de muitos países desenvolvidos — apenas alguns desses apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês) atualizadas para a conferência.
No contexto específico da agricultura, a presidência brasileira da COP30 precisará navegar por esse cenário turbulento para garantir que as promessas anteriores se traduzam em ações concretas rumo ao desenvolvimento sustentável e à descarbonização. O sucesso dependerá fortemente da liberação de financiamento para adaptação e para mitigação das mudanças climáticas nos países em desenvolvimento — uma condição essencial para que essas nações ampliem suas ambições climáticas.
Diante desse panorama, este policy paper examina as perspectivas para a COP30 e explora os desafios e as oportunidades para o Brasil avançar na agenda da agricultura sustentável. Com base em entrevistas com especialistas e análise de fontes secundárias, o autor argumenta que as recentes mudanças políticas globais criaram um cenário complexo para a COP30 — mas também identifica oportunidades que podem ser aproveitadas para impulsionar iniciativas-chave, desde que as partes atuem de forma decisiva para aproveitar o momento.
Niels tem doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Brasil (2018), mestrado em Estudos Globais com especialização em Ciência Política pela Universidade de Lund, Suécia (2014). O seu foco de pesquisa é produção agrícola, comércio e governança.
O uso sustentável das áreas de pastagem no Brasil representa um grande desafio e, ao mesmo, uma oportunidade fantástica. O país possui aproximadamente 160 milhões de hectares de pastagens distribuídas por todo o território nacional, porém com diferenças marcantes entre as regiões e segmentos de produtores. As pastagens plantadas estão presentes em cerca de 110 milhões de hectares e podem ser encontradas em todas as regiões. Já as pastagens naturais, que ocupam cerca de 50 milhões de hectares, se concentram principalmente na Caatinga (região Nordeste), no Pampa (região Sul) e no Pantanal (região Centro-Oeste).
Dados do último Censo Agropecuário, realizado em 2017, mostram que o Brasil possuía 2,55 milhões de estabelecimentos com atividade de pecuária bovina, sendo 76% caracterizados como de produção familiar. Na área de abrangência do bioma Caatinga na região Nordeste, prevalece a pecuária extensiva com baixos índices produtivos. As propriedades de pecuária de corte não familiar concentram-se, principalmente, entre as regiões Centro-Oeste e Norte, onde se encontram os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Nas regiões Sul e Sudeste, área de ocorrência dos biomas Mata Atlântica e Pampa, predominam propriedades com diversificação de atividades (agricultura e pecuária) e de produção pecuária intensiva.
Parte da área de pastagens no Brasil apresenta sinais de degradação, porém as estatísticas relacionadas ao processo são muito variadas e é preciso aprimorar os métodos de diagnóstico. Para isso, é necessário desenvolver ferramentas de monitoramento e protocolos de abrangência nacional e que respeitem as características de cada bioma brasileiro para que números mais precisos sejam obtidos. Por outro lado, os estudos indicam que é possível aumentar a produção de alimentos, fibras e energia nas áreas de pastagens, quer seja pelo aumento da produtividade do pasto (maior produção de carne e leite por unidade de área) quer seja pela mudança de uso da área para o cultivo de culturas agrícolas (ex: grãos, frutas, hortaliças etc.), florestais (ex: eucalipto, espécies nativas etc.) ou sistemas integrados (ex: integração lavoura-pecuária-floresta, sistemas agroflorestais etc.). Algumas áreas também podem ser utilizadas para restauração de vegetação nativa, principalmente onde há passivo ambiental.
A área de pastagens no Brasil vem se transformando ano a ano a partir de investimentos feitos pelos próprios produtores e de políticas públicas que buscam estimular a sua recuperação e o seu uso sustentável, como o Plano ABC+, o Programa Caminho Verde e a Taxonomia Sustentável Brasileira. Diferentes públicos, incluindo gestores de políticas públicas, investidores, representantes de instituições financeiras, técnicos, produtores e representantes do terceiro setor reconhecem que a transformação da área de pastagens no país representa uma grande oportunidade, porém há divergências em relação à forma como ela deve ser aproveitada. Enquanto alguns atores ressaltam os benefícios ambientais, socioeconômicos e para a produção de alimentos da cesta básica, outros focam mais em aspectos produtivos e relacionados ao valor agronômico e comercial da recuperação, intensificação ou conversão das pastagens.
A sustentabilidade depende de um equilíbrio sutil entre aspectos econômicos, sociais e ambientais. Para que a transformação da área de pastagens no Brasil realmente contribua para aumentar a sustentabilidade do sistema agroalimentar, será necessário criar um fluxo contínuo de diálogo, possibilitando o alinhamento das expectativas e a identificação das melhores soluções que contemplem às necessidades dos diferentes atores envolvidos. O Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha poderá contribuir para esse processo, promovendo intercâmbio técnico, político e científico e a aproximação de diferentes atores interessados no tema.
Autora
Patrícia Menezes
Patricia Menezes Santos é pesquisadora da área de sistemas de produção sustentável, com foco em pastagens, na Embrapa Pecuária Sudeste. Atualmente participa de grupos de trabalho que oferecem apoio técnico científico a políticas públicas relacionadas às pastagens, como a Taxonomia Sustentável Brasileira e o Programa Caminho Verde. Coordena o Programa de PD&I em Recuperação de Pastagens Degradadas da Embrapa.
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