Incerteza global e nova liderança: implicações para a agricultura e a preservação da natureza no Brasil
Muitos capítulos do último panorama agrícola mundial publicado pela Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), em junho de 2022, referem-se à incerteza como o principal desafio para os mercados agrícolas nos próximos anos. Os preços das commodities, mas também os custos de produção, já aumentaram em resposta à pandemia da Covid-19 e provavelmente permanecerão altos, ao menos enquanto prevalecer a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Ao mesmo tempo, o novo governo brasileiro se prepara para reprimir, mais uma vez, o desmatamento ilegal e aponta para investimentos em uma nova bioeconomia amazônica, baseada em usos florestais não destrutivos e na diversidade sociocultural.
Isso aumenta as chances de uma transformação em direção a uma agricultura mais sustentável? Eu acredito que sim.
Atores influentes do agronegócio brasileiro têm exigido ações contra o desmatamento ilegal já muito antes das eleições do ano passado. Isso não se deve apenas ao medo de danos à reputação do setor, mas também porque estão se acumulando provas de que a perda de florestas tropicais começa a afetar as funções de regulação climática regional em detrimento da produtividade agrícola. Além disso, a legislação ambiental rigorosamente aplicada cria condições equitativas para os produtores agrícolas no (e além do) Brasil e demonstrou oferecer incentivos para a intensificação sustentável.
Como tal, o compromisso do presidente Lula em reconstruir e fortalecer as capacidades de aplicação da legislação ambiental se alinha com os preços altos e voláteis dos insumos agrícolas internacionais na criação de um clima favorável à inovação sustentável. De acordo com a Forbes AGRO1, o agronegócio brasileiro precisa urgentemente de uma base legal para regular o dinâmico e crescente mercado nacional de bioinsumos e uma legislação correspondente está em elaboração.
Claramente, os bioinsumos e a redução do desmatamento ilegal não serão suficientes para colocar os setores agrícolas e florestais brasileiros em um caminho sustentável. Milhões de hectares de floresta tropical estão potencialmente ameaçados pelo desmatamento legal, ao passo que grandes quantidades de áreas já desmatadas são utilizadas ou abandonadas de forma improdutiva. Inovações institucionais, por exemplo no processo de regularização fundiária, e sistemas inteligentes de incentivos condicionais são necessários para desviar a expansão agrícola das paisagens naturais para as terras já utilizadas. Além disso, formas insustentáveis de produção e extração na agricultura e silvicultura devem ser substituídas, o que requer uma combinação cuidadosa de incentivos regulatórios e financeiros com investimentos na infraestrutura existente, mas subfinanciada, de pesquisa e transferência de conhecimento do Brasil.
A “Bioeconomia Amazônica” é o outro empreendimento de conhecimento intensivo que pode merecer e receber mais atenção em 2023. Nos últimos cinco anos, numerosas iniciativas de organizações de pesquisa e da sociedade civil se conscientizaram, tanto nos círculos políticos nacionais quanto internacionais, do potencial inexplorado de desenvolvimento sustentável na diversidade cultural e biológica da Amazônia. O desafio é enorme, não apenas devido à necessidade de desenvolvimento de capacidade local, mas também porque tentativas anteriores de desencadear o suposto potencial da economia florestal não-madeireira, muitas vezes, falharam ou mesmo resultaram em impactos ambientais e sociais indesejados. Uma nova iniciativa deveria estar disposta a aprender com lições do passado e se beneficiaria de perspectivas estáveis de funding a longo prazo. É importante que ela permita espaços experimentais e construa uma base sistemática de evidências do que funciona (e do que não funciona) para resultados sustentáveis.
A incerteza global também reavivou o debate sobre o acordo comercial União Europeia-Mercosul com alguns observadores que esperam um processo significativo rumo à ratificação em 2023. Se esse acordo virá ou não com os impactos ambientais e sociais negativos esperados por seus críticos, depende em parte de quanto progresso o Brasil (e outros países da região) pode fazer na aplicação efetiva de sua legislação ambiental e social. Entretanto, é importante que a ação baseada na UE para uma governança sustentável das cadeias de valor seja mais eficaz sob relações comerciais estreitas entre as duas regiões.
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1https://forbes.com.br/forbesagro/2023/01/o-mercado-de-bioinsumos-vai-para-onde-no-brasil/
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