A importância da ciência na aplicação de instrumentos políticos para o uso da terra
O Brasil é um peso-pesado da agricultura global, o maior exportador de carne bovina e o segundo maior produtor mundial. No caso da soja, ocupa ambas as posições: maior produtor e exportador. Por outro lado, abriga a maior parte remanescente da floresta Amazônica, além de ecossistemas e hotspots de biodiversidade de importância global. A experiência com a dissociação entre a produção de soja e o desmatamento mostrou que o aumento do bem-estar baseado na produção agrícola não precisa ser feito às custas dos recursos naturais. A redução das taxas de desmatamento no início dos anos 2000 demonstrou que a vontade política pode gerar os efeitos desejados, e essas experiências devem servir como base para a formulação de políticas atuais.
Por outro lado, a extensão das áreas florestais, irremediavelmente perdidas, e a velocidade do desmatamento em curso levantam preocupações a respeito da viabilidade dos esforços nacionais e internacionais para um uso sustentável da terra.
Nossa pesquisa mostra que o arranjo político brasileiro no setor de uso da terra é complexo, mas conta com uma legislação abrangente que, se bem implementada, pode fornecer todas as ferramentas necessárias para o desenvolvimento sustentável nesse setor. Há estratégias políticas que abrangem todos os setores relevantes. Elas se modificaram ao longo do tempo, para atender às demandas de diversos grupos de interesse. Refletem desafios sociais, econômicos e ecológicos, desde a ocupação de terras até a conservação da biodiversidade, restauração e mitigação das mudanças climáticas.
É essencial haver diálogo político para se criar um entendimento mútuo com relação ao arranjo político, suas complexas interações e dependências, bem como os grupos de interesse que apoiam e se beneficiam de instrumentos políticos específicos. A ênfase em criar instrumentos individuais, como ocorre frequentemente por influência da comunidade internacional ou europeia, não é eficaz. Medidas que apenas aumentem a extensão de áreas protegidas, sem considerar as necessidades dos povos indígenas ou da bioeconomia nacional, não serão bem-sucedidas.
Um outro exemplo é o “Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento” (EUDR, na sigla em inglês), que foca na rastreabilidade e num sistema de diligência para proibir a importação de produtos associados ao desmatamento. Para sua implementação eficaz será fundamental conectá-lo a outros instrumentos políticos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistemas de monitoramento eficientes, campanhas de informação e capacitação específica para pequenos produtores, além de medidas de fiscalização. O apoio e a cooperação devem considerar, pelo menos, esses instrumentos correlatos para o EUDR. Isso poderá aumentar a eficácia da estratégia e o comprometimento do lado brasileiro, pois, ao incorporar instrumentos do Brasil, a aceitação tende a ser maior, evitando a percepção de unilateralismo.
A ciência pode desempenhar um papel fundamental na formulação de políticas ao fornecer uma análise independente e racional das interações políticas e dos interesses envolvidos, e assim contribuir para o diálogo político. Além disso, é essencial avaliar a eficácia dos diferentes instrumentos e evitar um foco excessivo em apenas um único aspecto, como tem sido observado atualmente.
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