Quais são as suas expectativas em relação à agenda agroambiental no Brasil para o próximo ano?
Durante os anos do governo Bolsonaro, parte do agronegócio brasileiro se beneficiou de uma série de eventos externos que alavancaram os preços das commodities. Febre suína, pandemia de COVID, guerra Rússia-Ucrânia, desvalorização do Real frente ao Dólar, que ajudaram a impulsionar a produção agropecuária brasileira e suas exportações. Ainda que o agronegócio represente cerca de 23% do PIB brasileiro na média histórica – considerando aqui atividades econômicas de outros setores relacionados ao agro, como indústria e serviços (o PIB do setor agrícola para dentro da porteira representa cerca de 5%) – esses aparentes ganhos no curto-prazo escondem derrotas marcantes para a sustentabilidade econômica e ambiental do setor.
Nos últimos três anos, o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira aumentou significativamente, acompanhando mudanças relevantes na governança ambiental sob o governo Bolsonaro. Dados do PRODES mostram que o desmatamento na região aumentou respectivamente 79% e 74% nos anos 2019 e 2020, em comparação com a média para 2010-18. Focos de incêndio aumentaram 3% em 2019 e 22% em 2020, em relação à média do período anterior. O aumento das taxas de desmatamento e emissões associadas de carbono na Amazônia Legal é consequência do desmantelamento dos órgãos ambientais federais, responsáveis pela aplicação da lei, especialmente após 2018, quando fiscalizações e autuações resultaram no menor número de infrações e multas aplicadas na última década. Entre 2010 e 2018, foram protocolados em média 4700 autos de infração por violações contra a flora na Amazônia (em sua maioria desmatamento ilegal). Em 2019, esse número encolheu para cerca de 3300 e em 2020, para 2200, uma redução de 30% e 54%, respectivamente. Como resultado da expectativa de impunidade e prescrição, 93% das multas ambientais aplicadas sequer foram pagas durante a gestão 2018-2022.
Antes mesmo de ser oficialmente diplomado, o presidente Luís Inácio Lula da Silva entregou um discursou repleto de entusiasmo e esperança na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 27), realizada no Egito em novembro último. Lula criticou o isolamento do Brasil promovido por seu antecessor e destacou que o país está de volta à agenda ambiental e climática. Enfatizou ainda que o governo não medirá esforços para combater o desmatamento, tanto ilegal quanto legal, e que os povos indígenas seriam contemplados com a criação do Ministério dos Povos Originários (MPO).
Lula tomou posse e já em seus primeiros atos nomeou a deputada federal indígena Sônia Guajajara para o MPO. Nomeou Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente de Lula entre 2003-2005, como Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e confirmou a criação da Autoridade Nacional sobre Mudanças Climáticas, do Conselho de Segurança do Clima, da Secretaria Extraordinária do Combate ao Desmatamento, além de criar, reativar ou realocar outros grupos de trabalho importantes e que na última gestão estiveram propositalmente longe da atuação do MMA. Ainda, em seu primeiro dia de governo, Lula assinou o que ficou conhecido como “revogaço”, que consiste na revogação integral ou parcial de vários decretos presidenciais do antecessor e nocivos à proteção do meio ambiente. Foram derrubadas permissões de garimpo em terras indígenas, retomado o Fundo Amazônia, a reinserção de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Meio Ambiente, instituída reversão ao Fundo Nacional de Meio Ambiente de 50% das multas ambientais aplicadas, retomado o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004 pela então – e atual – ministra do MMA, responsável por uma queda de 83% no desmatamento da Amazônia em 2012, em relação a 2004.
O momento é mais do que oportuno ao agronegócio brasileiro, visto que parceiros comerciais importantes ao país, como Estados Unidos, Reino Unido, Europa e até mesmo China, já sinalizam crescente preocupação em reduzir ou eliminar o desmatamento de suas cadeias de fornecimento, para atendem às demandas de mercados e consumidores cada vez mais exigentes quanto à origem dos produtos consumidos nesses países. As legislações já aprovadas e em discussão incluem em uma primeira fase as cadeias da soja, carne bovina, couro, café, cacau, madeira, borracha e óleos vegetais.
Em dezembro de 2022, as negociações do triálogo entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu foram concluídas e um texto final com medidas para regular a entrada de produtos livres de desmatamento na Europa é esperado já para adoção no início de 2023, com entrada em vigor prevista para o final de 2024. Em resumo, sob essa regulação, as mercadorias e produtos relevantes (listados acima) só podem adentrar no mercado europeu ou serem exportados da UE se forem comprovadamente (a) livres de desmatamento; (b) produzidos em conformidade com a legislação relevante do país produtor (ex. Código Florestal, no Brasil); e (c) cobertos por uma declaração de verificações devidas (due dilligence, em Inglês) de um operador. Este operador é o agente que primeiro coloca a mercadoria no mercado da UE ou a exporta da UE.
Esse sistema de due diligence inclui requisitos para (a) informações sobre a origem do produto; (b) avaliação de risco do país produtor; e (c) mitigação de risco. Ele é acoplado a um sistema de benchmarking de países, que irá adaptar as obrigações de due diligence (mais rígidas para países com mais desmatamento, e para grandes players), de acordo com a classificação de risco de cada país (e regiões subnacionais). Portanto, de acordo com as exigências impostas por essa regulação, fica claro que a rastreabilidade eficiente e transparente das cadeias produtivas, informando a origem de determinado produto, é a chave para o sucesso dessas operações e para a manutenção do acesso de produtos brasileiros a esses mercados. Além da União Europeia, o Reino Unido, França e Alemanha já aprovaram legislações específicas, enquanto os Estados Unidos da América avançam também nesse sentido. De modo mais discreto, mas inequívoco o governo e grandes empresas chinesas também indicaram o compromisso de adquirir somente produtos que comprovadamente sigam as legislações ambientais dos respectivos países exportadores.
Existem grandes desafios tecnológicos e políticos para a implementação de sistemas capazes de atender a crescente demanda por rastreabilidade da produção agropecuária. Mas já existem soluções concretas que podem ser expandidas para todo território nacional.
O Sistema SeloVerde adotado pelos estados do Pará e mais recentemente por Minas Gerais, é atualmente o sistema de rastreabilidade socioambiental mais avançado do Brasil para a avaliar a ilegalidade e apoiar os processos de due diligence de cadeias agropecuárias livres desmatamento. É o primeiro sistema público e transparente de rastreabilidade do país que avalia o desmatamento ilegal de fornecedores diretos e indiretos de gado, podendo ainda ser estendido para incluir outras commodities. SeloVerde reúne bancos de dados que incluem (a) monitoramento de desmatamento por satélite; (b) áreas públicas, indígenas e de conservação; (c) cadastro de propriedades privadas em nível estadual e nacional (a revisão do Código Florestal em 2012, tornou obrigatória a inscrição de todas as propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural – CAR); (d) multas ambientais e embargos dos produtores; (e) envolvimento em práticas análogas ao trabalho escravo; (f) movimentação de gado (por meio de registros de transporte de animais, declarados às agências de defesa sanitária da agropecuária).
A versão atual do SeloVerde no Pará contém informações de mais de 250 mil fazendas e pode ser publicamente acessada no site da Secretaria do Meio Ambiente. Ele é capaz de analisar e integrar, com atualizações diárias, 30 conjuntos de dados de 12 agências governamentais federais e estaduais, para fornecer em um único sistema, a maior parte das informações necessárias para realizar a etapa inicial do processo de verificações devidas exigido na regulação europeia. Importante destacar que, em regra geral, regulações de outros países, embora algumas ainda em discussão, possuem princípios e exigências similares às da UE. Antes do SeloVerde, os mercados se apoiavam em certificações privadas, geralmente inacessíveis aos (pequenos) agricultores (muitos deles fornecedores indiretos), e que cobriam apenas uma pequena parte das propriedades, além de ausência de transparência em geral. Como o SeloVerde é um sistema governamental, tem como base dados pessoais e sensíveis e que não estão disponíveis para certificadores privados e sistemas comerciais atualmente adotados pela maioria dos operadores e frigoríficos. Ao mesmo tempo, o sistema protege tais dados sensíveis, apresentando como resultado, somente as informações necessárias para atestar a adequação ambiental da produção agropecuária no nível do imóvel. Finalmente, o SeloVerde tem custo zero para o produtor, já que as análises são realizadas de forma automática, com base em informações ambientais e sanitárias obrigatórias.
O exemplo dos avanços na agenda da rastreabilidade no Pará se encaixa perfeitamente no discurso do presidente Lula para deter o desmatamento e as novas exigências dos mercados internacionais, com destaque à União Europeia. Espera-se para 2023 e além, que intenções e normas políticas estejam de fato alinhadas a aplicações práticas de ferramentas e sistemas que viabilizem um desenvolvimento mais sustentável, não só para o agronegócio brasileiro e a Amazônia Legal, como também para todo o país, ao incentivar a descarbonização de cadeias produtivas.
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