Giga e Megatendências
É um grande privilégio ter sido convidado pelo APD para proporcionar algumas reflexões sobre os desafios geopolíticos e o papel do agro nessa transformação, a fim de abrir um diálogo entre as nações amigas.
A humanidade passa por enormes desafios em sua transformação histórica. Nos transformamos nos últimos 200 anos. Saímos de um processo histórico onde a humanidade não tinha mais que 1 bilhão de pessoas para os atuais 8 bilhões. Essa evolução exponencial tem suas origens em três gigatendências.
- A primeira delas foi a expansão e a divulgação do conhecimento. Essa teve início com Gutenberg por volta de 1500, seguida pela abertura mental da Revolução Francesa e a comunicação. Do telégrafo ao celular.
- A segunda gigatendência foi o domínio da energia. Saímos da lenha para o petróleo, aumentamos da mesma na forma, de propulsões elétricas para a mobilidade.
- A terceira, como consequência, o aumento populacional de 1 a 8 bilhões de pessoas. Essas três gigatendências introduziram ao mundo outras megatendências: urbanização, globalização, mudanças climáticas, democratização, educação global, entre outras.
Essa aceleração das gigatendências, em um sistema vivo, pode ter, ao mesmo tempo, limites de crescimento e crescimento dos limites. Assim, a humanidade, a partir de 2050 deverá atingir seu limite populacional: 11 bilhões de pessoas. Algumas sociedades já estarão no declínio de seu crescimento ao passo que outras ainda crescerão. Até lá o consumo de energia aumentará, a produção de conhecimento continuará a acelerar e será cogerida pela Inteligência Artificial, colocando a humanidade em limites climáticos, alimentares e de desigualdades.
As questões de sobrevivência do sistema mundo, em sua amplitude maior, não mais serão uma preocupação de algumas nações, mas da humanidade. As grandes perguntas que nós fazemos, no conjunto, é como podemos, e devemos, chegar até lá como um todo.
Na atualidade, uma parte do mundo, com sistemas democráticos, quer ver a jornada inserciva[1], em liberdade e compartilhando riquezas. Outra parte prefere sistemas autocráticos, reguladores e mais eficientes, menos participativos e democráticos. Os interesses e os valores estarão em embates, alguns pelo poder outros pelo convencimento ou interesses. Serão as grandes agendas da Organização das Nações Unidas (ONU), das COPs, dos G20s e dos BRICs, entre outros.
Qual será o novo modelo de governança global que surgirá dos embates atuais entre os EUA e o resto do mundo? Qual será a participação da América Latina nesse jogo? Como nós modelaremos o nosso desenvolvimento sustentado? Qual será a nossa contribuição à paz e ao desenvolvimento mundial, com justiça social e liberdade? Essas e outras perguntas do gênero me movem a pensar, conceituar, debater e agir.
No que se refere ao pensar, considerando as já mencionadas megatendências acima, por onde navegará o mundo, com seus 11 bilhões de habitantes? Como poderá, e deverá, ser a contribuição da inteligência humana nesse processo? Certamente começa no imaginário individual e coletivo. Na formação de uma inteligência compartilhada, que dê a razão ao mínimo comum. É ali que começa a pretensão máxima, de se conseguir um mínimo comum, compartilhado. É nesse imaginário que coloco uma grande aposta do ser humano. Tudo que realizamos já estava sendo imaginado lá trás, do nosso cotidiano ao planejado, com exceção das catástrofes ou dos inesperados. Portanto, construir um imaginário solidário faz parte de nossa missão mais nobre, falarmos dos sonhos, desenvolvermos visões e compartilharmos as oportunidades e os riscos, na família, na comunidade, no país e no mundo.
Giga e Megatendências no Agro
Deixem-me divagar sobre o que podemos e devemos pensar na contribuição do AGRO, em termos mundiais, e como podemos fazer uma diferença para a humanidade. A começar não mais chamo o nosso mundo como planeta, depois de reconhecer que os planetas não têm vida (até agora conhecidos) e que nós temos o mundo, pois temos nele vida que faz toda a diferença.
Segundo a mitologia grega, a deusa que concebeu o mundo se chama Gaia. Ela deu origem a todos os outros, nascida do caos. De seu nome se derivam as ciências atuais, cuja designação iniciam com geo (geografia, geologia, entre tantos) do estudo de Gaia.
Portanto, o estudo do mundo, onde a vida se fez e faz, é a base das reflexões. Inicio – como amante da agricultura usarei o hectare como medida – com os grandes números do mundo: 50 bilhões de hectares, dos quais 2/3 são formados por águas e 1/3 por terras. Desses 1/3, por volta de 15 bilhões de hectares, são agricultáveis. Temos, novamente, 1/3 – o restante são desertos, geleiras, florestas naturais, cidades etc. Isso corresponde a um universo de mais ou menos 5 bilhões de hectares agricultáveis no mundo. Esses 5 bilhões de hectares são o objetivo de todo o raciocínio que segue.
Por sua vez, os 5 bilhões de hectares agricultáveis são representados hoje por:
- 2/3 de pastagens = 3,3 bilhões ha;
- Cerca de 30% = 1,5 bilhões ha, áreas para a agricultura;
- Aproximadamente 3% = 0,2 bilhão ha, florestas perenes – frutíferas, borracha etc.
Atualmente 8 bilhões de pessoas, consomem 10 bilhões de toneladas (Gt) de produtos da agricultura. Desses 10 Gt de produtos, 60% (6 Gt) são alimentos, ao passo que 40% (4 Gt) não são alimentos, equivalem a: fibras, combustíveis, borracha, insumos etc.
Os 10 maiores produtores agrícolas, que utilizam 55% dos 1,5 Gt agricultáveis no mundo são:
1. |
EUA |
10,5 % |
165 m ha |
2. |
Índia |
9,2 % |
145 m ha |
3. |
China |
8,8 % |
139 m ha |
4. |
Rússia |
7,5 % |
117 mi ha |
5. |
Brasil |
3,7 % |
59 m ha |
6. |
Austrália |
2,9 % |
47 m ha |
7. |
Canadá |
2,6 % |
42 m ha |
8. |
Ucrânia |
2,0 % |
32 m ha |
9. |
Nigéria |
1,9 % |
30 m ha |
10. |
Argentina |
1,7 % |
27 m ha |
Total |
55 % |
803 m ha |
Cerca de 60% da produção agrícola mundial são: trigo, milho, arroz, soja, feijão, colza e cana-de-açúcar, nessa ordem. A maior produtividade ha/ano se dá nas produções de cana- de-açúcar (6000 t/ha) seguida da beterraba de açúcar (4700 t/ha) e o tomate (2500 t/ha). A produção dos demais produtos fica abaixo dessas quantidades. A maior rentabilidade é da cana-de-açúcar (300 bi $), do arroz (220 bi $), do milho (140 bi $) seguido pelo trigo (120 bi $).
Mais interessante é ver o crescimento anual das culturas em milhões de toneladas (Mt). A produção de cana-de-açúcar está muito à frente das demais, com um montante de 1700 Mt, seguida pelo milho (800 Mt), o arroz (700 Mt) e o trigo (600 Mt).
Essas tendências demonstram que a área de produção de produtos alimentícios cresce em proporção superior ao crescimento econômico mundial, assim como os não alimentícios, em especial a cana-de-açúcar. Essa é utilizada na alimentação, açúcar, e em derivados energéticos como o etanol, em substituição aos combustíveis fósseis. Portanto, é lícito prever que as áreas destinadas a alimentos crescerão além do crescimento econômico mundial. E, talvez, esse crescimento seja ainda mais forte nas áreas dos produtos não alimentícios, podendo, antes de 2050, superar as áreas de cultivo de produtos alimentícios.
Os desafios da agricultura contemporânea
No âmbito da agricultura mundial, no que concerne as seguranças alimentar e energética, também se interpõe o desafio das mudanças climáticas. A agricultura se coloca na opinião pública como um problema. No entanto, em verdade, ela é uma enorme contribuinte para as soluções desses desafios. Se, nesse contexto, incluirmos ainda o combate à fome, à miséria e a agricultura em todo o seu conjunto de pequenos ou grandes produtores, esses fazem sua parte na inserção social. A agricultura contemporânea, quando bem-feita e gerida, está presente nos quatro desafios acima expostos.
A segurança de um país se inicia não apenas por sua ordem política e de segurança, mas por políticas que garantam o alimento, a energia, o bem-estar de seu povo. Até pouco tempo, cada país ou região cuidava dessas seguranças como uma política de soberania. Contudo, sucessivamente, tornou-se mais aberta pelas cooperações internacionais. Entretanto, os novos tempos não sopram nessa direção e as correntezas geopolíticas retomam preferências antigas de alinhamentos ideológicos. Mas, em um mundo global, conectado e informado, essas contradições se tornarão alianças estratégicas ainda mais importantes. Tendo em vista que o clima, a fome, a energia, não esperam por ideologias, mas por soluções pragmáticas e efetivas baseadas em conhecimento fundamentado na ciência e na tecnologia com ética.
O Poder dos Trópicos nas soluções globais
Há cerca de 200 anos os imigrantes que vieram para o Brasil e a América do Sul, ao iniciarem a agricultura expansiva, trouxeram seus conhecimentos do Hemisfério Norte, do clima temperado. Uma safra, revolver a terra, correção de solos e combates a pragas conhecidas foram substituídos por novos conhecimentos, práticas e tecnologias. Isso resultou em três ou mais safras no mesmo hectare/ano, com produtividades até então desconhecidas. É o que chamamos de Poder dos Trópicos baseado em clima, solo e genética que favorece o crescimento exponencial. O Poder dos Trópicos se resume em reconhecer que o poder fotossintético, responsável pelo desenvolvimento vegetal é três vezes maior que em climas temperados. Aqui se completam inovações de toda ordem.
A cooperação internacional a exemplo do Brasil e Alemanha
Em 2003 o Brasil propôs à Alemanha, pelas suas mais altas autoridades – os então Presidente Lula e o Chanceler Schroeder – uma cooperação por meio de uma iniciativa Brasil-Alemanha do agronegócio e da inovação. A cada ano atores dos setores governamentais e privados dos dois países se reúnem antes das comissões bilaterais de cooperação econômica para aprofundarem temas de cooperação ou de entendimentos e, também, de desentendimentos. Esses diálogos já perduram por mais de duas décadas e são liderados, de um lado, pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e do outro pelo Comitê Latino-Americano da Economia Alemã (LADWN, sigla em alemão), com agendas crescentes e construtivas que visam o futuro e propulsionam sinergias.
Há poucos anos a cooperação tem sido secundada pelo Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha. Esse tem realizado pontes relevantes de entendimentos e de estreitamento de laços. Crescer é possível quando se coopera e se tem uma visão de que o legado mostra a sua força! Agora temos ainda mais a fazer, sem esmorecer.
[1] Neologismo do autor. Relativo à inserção.
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